Números Alarmantes: O Que o Recorde de Afastamentos por Saúde Mental Revela Sobre Nossas Práticas de Liderança

Nos últimos anos, tenho observado uma tendência alarmante nas empresas brasileiras. Como gestor industrial com mais de 15 anos de experiência, vejo de perto como os problemas de saúde mental têm afetado drasticamente a produtividade, a qualidade do trabalho e, acima de tudo, a vida das pessoas.

Os dados recentes do Ministério da Previdência Social revelaram um quadro extremamente preocupante: em 2024, o Brasil registrou 472 mil licenças concedidas por transtornos mentais, representando um aumento impressionante de 67% em relação ao ano anterior. Este é o maior número de afastamentos por questões de saúde mental em uma década.

O que me deixou ainda mais pensativo foi a disparidade de gênero revelada pelos dados. As mulheres representaram 63,8% dessas licenças, um reflexo direto da sobrecarga que enfrentam ao acumular múltiplos papéis na sociedade, além da persistente desigualdade no ambiente de trabalho.

Causas Identificadas

Diversos estudos, incluindo pesquisas conduzidas pela McKinsey Health Institute, apontam para causas multifacetadas dessa crise:

A sobrecarga de trabalho permanece como um dos principais desencadeadores de problemas de saúde mental. Equipes reduzidas e expectativas crescentes de produtividade criaram um ambiente onde o esgotamento tornou-se quase inevitável.

A falta de autonomia e controle sobre o próprio trabalho também aparece como um fator significativo. Quando os colaboradores não têm voz nas decisões que afetam diretamente suas funções, o sentimento de impotência pode levar à ansiedade e depressão.

Jornadas prolongadas e a inexistência de limites claros entre vida pessoal e profissional – especialmente em regimes de trabalho híbrido – contribuem significativamente para o desgaste mental.

O assédio moral, infelizmente ainda presente em muitas organizações, tem um impacto devastador. A pesquisa da KPMG mencionada no artigo mostra um aumento de 28% nas denúncias corporativas em 2024, com casos de assédio moral e discriminação liderando as estatísticas.

A insegurança no emprego, em um mercado cada vez mais volátil, gera um estado constante de alerta e estresse para muitos trabalhadores.

A Resposta Governamental: De Benefício a Regra

O Ministério do Trabalho e Emprego deu um passo significativo ao atualizar a Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1), que entrará em vigor em 26 de maio. Esta mudança representa uma transformação fundamental na abordagem da saúde mental no ambiente de trabalho.

A principal inovação é a obrigatoriedade de incluir a avaliação e o gerenciamento dos riscos psicossociais no Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR). Isso significa que as empresas agora têm a responsabilidade formal de identificar fatores de risco como sobrecarga, assédio moral e estresse, além de implementar medidas preventivas e corretivas.

Para as empresas que não cumprirem estas novas exigências, as consequências podem ser severas: autuações, multas, interdições, Termos de Ajuste de Conduta, processos administrativos e até mesmo ações civis públicas movidas pelo Ministério Público do Trabalho.

Esta mudança representa uma evolução significativa: a saúde mental deixa de ser tratada como um “benefício” opcional e passa a ser uma questão de compliance e gestão de riscos.

O Papel Crucial dos Líderes e Gestores

Como gestor industrial, vivenciei há alguns anos uma situação que mudou completamente minha perspectiva sobre saúde mental no trabalho. Em uma das plantas que gerenciei, implementamos um sistema de metas agressivas com bonificações substanciais. Inicialmente, os resultados foram impressionantes, mas após seis meses, começamos a notar um aumento significativo no absenteísmo. Quando investigamos mais a fundo, descobrimos que três supervisores estavam em tratamento para ansiedade e burnout.

Essa experiência me ensinou que mesmo as melhores intenções podem ter consequências negativas quando não consideramos a saúde mental como parte integrante da estratégia de negócios. Desde então, implementei diversas práticas que posso compartilhar:

Além do Compliance

A atualização da NR-1 representa uma oportunidade valiosa para transformarmos a cultura organizacional no Brasil. No entanto, como bem observou Ana Carolina Peuker, especialista citada no artigo, “muitas empresas vão fazer de tudo para dizer que cuidam da saúde mental, mas poucas vão levar a sério”.

Como líderes, temos a responsabilidade de ir além do mero cumprimento da lei. Precisamos transformar esta exigência legal em uma oportunidade genuína de cuidado com as pessoas. Este não é apenas um imperativo ético, mas também uma necessidade estratégica para a sustentabilidade dos negócios.

Os resultados não serão imediatos – os especialistas estimam que os efeitos mais amplos, como redução nos afastamentos e melhoria na produtividade, podem levar de dois a cinco anos para se consolidarem. No entanto, cada passo que damos hoje na direção de um ambiente de trabalho mais saudável representa um investimento no futuro das nossas organizações e, mais importante, no bem-estar das pessoas que as compõem.

Convido todos os líderes a refletirem: que tipo de legado queremos deixar? Queremos ser lembrados como aqueles que apenas seguiram regras ou como aqueles que verdadeiramente transformaram vidas?

Por Eudes Scarpeta

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